Por
Paulo Portellada.
O
mundo está aí, a todo o momento objetivando-se em sua concretude imperativa.
Não nos é possível viver fora desta realidade. Olhar, observar e pensar esta
realidade com criticidade e objetividade é a tarefa básica se queremos, com
nossa prática, transformarmos o mundo a nossa volta.
Precisamos,
portanto, em nossa jornada existencial – maior que nosso agir político –
entendermos a relação entre teoria, prática e práxis. Nosso agir cotidiano pode
ou não tornar-se, pela reflexão e capacidade de interconectar conhecimentos
anteriormente adquiridos, teoria.
Aristóteles,
o bom e velho Aristóteles, bem nos ensina no livro Ética para Nicômaco, que nosso
agir advêm de hábitos, não refletidos em sua maior parte. Estes hábitos nós os
introjetamos pelo processo educativo
que se dá nos âmbitos vitais familiares, escolares e sociais. A este processo
damos o significativo nome de incorporação
– transformar-se em corpo! É assim que o escovar os dentes, que se inicia de
forma imperativa, acaba por se tornar uma necessidade corporal decisiva,
incorporada e necessária. Ocorre que este processo educativo não se dá
normalmente pautado por uma reflexão madura e profunda sobre seus caminhos e
passos. Até mesmo nas unidades escolares onde o agir deve ser pautado por um
encontro das diversas habilidades,
possibilidades e virtudes de seu corpo docente, em suas respectivas
disciplinas, a partir de um horizonte reflexivo que é o Projeto Politico
Pedagógico (PPP). Normalmente, entretanto, este processo carece, a meu ver, em
três dificuldades básicas:
1.
O
corpo docente não é selecionado tendo em vista o PPP, para que haja uma
coerência coletiva no caminho e na direção para onde devemos caminhar.
2.
As
habilidades pessoais, assim como sociais e relacionais, não são devidamente
percebidas e, por isso, não são adequadamente exploradas ou incorporadas no
processo pedagógico, perdendo-se possibilidades e horizontes, esvaziando-se o
agir pedagógico.
3.
O
PPP normalmente é o conjunto de frases – chavões, sem qualquer compreensão ou
mesmo discussão básica, que se torna um imperativo apenas burocrático. Pior do
que isto, ele esconde a incapacidade de olhar atentamente a realidade do aluno
concreto que se apresenta a sua frente, com seus dramas e capacidades. Desvelar
este mundo concreto – do corpo docente, do corpo administrativo e dos alunos –
é apenas o ponto de partida para o trilhar pedagógico que deve apontar para
novos horizontes, maiores e mais humanos.
Uma pequena pausa se faz necessária, já
que não vamos nos referir aqui ao papel governamental e em suas tarefas
inadiáveis, assim como na responsabilidade das famílias no âmbito educacional,
já que pensamos no processo pedagógico não apenas na educação formal pública ou
privada, mas também em igrejas, ONGs e instituições sociais.
Paremos por um instante. Não siga
automaticamente a ler o texto!
1.
Nos
nossos processos e dinâmicas pessoais, nos nossos espaços dialógicos e
políticos temos ao menos uma ideia das possibilidades humanas envolvidas –
inclusive a nossa? O que te faz feliz? O que realmente você gosta de fazer?
2.
Em
nossos processos sociais e institucionais temos ou tentamos fazer um PPP que se
faça realista e dinâmico, com metas e com revisão permanente?
3.
Formamos
uma equipe que acolha a diversidade e a complexidade da vida humana e do seu
mundo cultural a dirigir-se, com o apoio mútuo (e não com competição), dentro
de um processo estratégico, olhando para o mesmo horizonte?
Falamos
de liberdade, de libertação, mas o que isto significa?
Nosso
agir se conforma (age com a forma) a realidade capitalista, se nutrindo dos
valores desta na busca pelo sucesso, pelo dinheiro, pela estabilidade, pelo
status, pelo poder? Somos livres para romper com estas determinações e aceitar
suas reais consequências?
A
prática pode, portanto, tornar-se teoria, mas esta é sempre, uma teoria interessada,
que defende interesses de pessoas e grupos sociais e pessoais.
Teoria
pode se confundir com manuais de procedimento ou mesmo um pensamento
conceitual, superficial sobre algo. Ledo engano! Teoria é o pensamento
sistêmico de uma totalidade, que a
percebe organicamente e complexamente. A teoria biológica, portanto, se refere
ao conjunto que compreende o funcionamento da estrutura biológica, da vida. A vida da prática, dos
hábitos é derivada, portanto, de um olhar sistêmico da vida humana e de seu
articular politico e econômico, que lhe dá horizontes e caminhos. Quando agimos
sem reflexão apurada estamos, concretamente, a reboque do que os outros
pensaram – e seguem a pensar – por nós. E, que, pelo aparato ideológico e
midiático, sutil e eficaz, se introjeta, se incorpora em cada um de nós.
Falamos
de teoria, falamos de prática, mas há outro termo, mais importante, que é
práxis. Práxis é o agir reflexivo, reflexivo que se objetiva num mundo real e
que se torna conhecimento amplo e dinâmico (dialético!), que se faz teoria na
prática. Onde a prática se faz teoria e a teoria se faz\ prática numa espiral
que se humaniza e se radicaliza.
É
este o horizonte no qual pretendemos caminhar. Que nossos corpos, mentes,
olhares e o coração – numa linguagem teológica que nosso espírito – esteja
mergulhado total e amorosamente mergulhado neste caudaloso rio da vida.
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